domingo, 29 de maio de 2011

Germain e Margueritte


                                                                                                                            Fernando Arosa




                O cinema é o lugar onde mais me sinto fora do mundo e dentro dele. Lá esqueço de tudo e me integro nessa arte que, pelo seu tamanho, nos mostra quanto somos pequenos e grandes. É de propósito que estabeleço os opostos aqui, temos vivido na corda bamba da diferença, tentando chegar ao equilíbrio.

                Saí de casa para rir, “quero ver uma comédia”. Fomos em busca de uma e decidimos arriscar assistir a um filme com Gérard Depardieu, excelente ator que transita entre os gêneros com simplicidade e experiência. O cartaz do filme já me atraiu, parecia-me promessa de diversão leve, mesmo que não fosse uma comédia ou algo rizível. Chegamos cedo e aguardávamos a hora da exibição. Comentávamos sobre as pessoas que passavam, coisas das mais normais. As portas se abriram e saíam alguns olhos embotados, narizes sendo enxugados, ou seja, ingresso comprado e a promessa do riso indo por água abaixo.

                Que nada! Não havia risada, mas, sim, o sorriso. Margueritte e Germain, personagens vividos por Gisèle Casadesus e Gérard Depardieu, respectivamente, nos levam a compreender muitas coisas e a explicar outras. As lágrimas da sessão anterior me remetem à falta de encontros que há na nossa sociedade; as pessoas estão cada vez mais carentes de encontros que permitam a troca de pequenos saberes, de afeto, de atenção.

                Margueritte, uma mulher na terceira idade (como se diz hoje) não teve filhos e possui uma vasta cultura literária, além da experiência de vida que a permite perceber em Germain a possibilidade de um novo amigo. Encontravam-se na praça da pacata cidade do interior da França e lá conversavam acompanhados pelos pombos que alimentavam. Contavam partes da vida, liam trechos de livros e, juntos, compunham uma história de amor, amizade, afeto, carinho, adoção. Sou suspeito, pois conheço a causa de perto, mas o que vejo nesse filme é a lição da adoção.

                Germain, homem já feito, carrega o estereótipo do grosseirão, da pouca inteligência. Menino renegado pela mãe, ele trafega entre o afetivo e o ríspido, entre o amor e o desamor, entre o adulto ferido e a promessa de felicidade com a mulher com quem mantém uma relação, aparentemente carnal.

                Germain e Marguerite compõem um cenário que, se tivéssemos paciência para analisar, resolveria metade dos problemas da humanidade: atenção e adoção. Um adota o outro. Ele, sem mãe, ela, sem filho. O amor, o afeto, a simplicidade, e a aceitação das diferenças.

                Agora, já absorvido por Marguerite como um leitor sensível, atribuído a ele a inteligência que ninguém via, Germain é capaz de se tornar pai, dedicar-se ao amor, afinal, conheceu-o agora de forma completa e verdadeira.

                Minhas tardes com Margueritte, do diretor Jean Becker, mesmo diretor de Conversas com meu jardineiro (também excelente filme)nos possibilita 82 minutos de diversão e arte. Afinal, “você tem fome de quê?”

Um comentário:

  1. É agradável ler o teu comentário, pena que a grande imprensa não o tenha; perdem os leitores de lá, ganham os leitores de cá. Grande abraço. Deu uma vontade de ver o filme! Verei, pode crer!
    Fazia uns tempos que aqui não aportava, sempre vale a pena, manterei a visita, a gente cresce lendo as tuas postagens.
    Nilo/POA

    ResponderExcluir