sábado, 19 de fevereiro de 2011

Notícias de Jornal

                                                                                                              Fernando Arosa

Acordamos muitas vezes com vontade de que tudo dê certo. O dia pode estar nublado, mas não ligamos. A ajudante liga dizendo que o filho está adoentado e que não poderá comparecer ao trabalho, e você, com resignação, dá um jeito. Vai até à porta pegar o jornal e descobre que ele não foi entregue, você liga para o jornal e recebe a notícia (muitas vezes lembrada anteriormente) de que sua assinatura expirou, aí você resolve ir ao jornaleiro, afinal, como começar o dia sem jornal?
                O dia ainda deverá dar certo, por isso, com dedicação à positividade, você dá uma leve
batidinha no joelho e diz “vou comprar um jornalzinho, um pão fresquinho e já volto”, levanta-se, pega a carteira, os óculos escuros e sai, resoluto, para encontrar o dia que já havia se anunciado para várias outras pessoas.
                Tranquilizado pela energia do fazer algo, chega à banca de jornal, experimenta uma frase com o jornaleiro, se anula um pouco com algum comentário sobre seu time, comenta o pronunciamento da presidente da república, mas sem querer ouvir o contraponto, e se despede para escolher, no cesto de pães, aqueles que comporão o quadro do café da manhã perfeito.
                O dia está dando certo, pensa, apesar da falta que ela faz em sua vida. Parte o pão e lembra que hoje é dia 19, dia de sua audiência contra o plano de saúde. Passa a manteiga, recordando que ontem a reunião fora improdutiva, mas decide esquecer tudo isso. O telefone toca, a moça do telemarketing, então, ouve que não pode ser atendida, pois seu dia está começando e está programado para dar certo.
                A cafeteira cumpriu sua tarefa a contento e você dá o primeiro gole de café, abrindo o jornal. Dentro dele, o mundo. Regimes autoritários (ainda existem!!!), a bolha imobiliária está elevando os preços, os partidos políticos estão nas manobras, a burocracia ainda emperra o país...
                Você, que ainda quer seu dia dando certo, se levanta, arruma o jornal e decide en tregá-lo de volta ao jornaleiro, alegando ter sido enganado, pois só havia notícias desagradáveis e exige seu dinheiro de volta. Ele nega, não o argumento, mas a lógica capitalista às avessas que você tenta imprimir. Certo de que o dia ainda pode dar certo, você vai ao Juizado de pequenas causas tentar apoio e criar jurisprudência. Boa sorte.
               

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Educar para a felicidade

                                                                                                                  Fernando Arosa

                O que equilibra o mundo são as crianças. São teimosas, insistentes em seus desejos, choram por motivos reles (julgados por nós, é claro), por vezes são violentas, mas porque carregam a irrefutável condição humana, e mesmo assim, equilibram o mundo.
                Quando educadas, podem se tornar pessoas capazes de feitos admiráveis. Quando cultivadas como pessoas, se tornam amáveis, solidárias, fortes a ponto de passar pela rara e difícil tarefa de viver.
                Recentemente, nos surpreendemos com a rede de solidariedade exemplificada nos milhões de itens de donativos enviados aos necessitados na região serrana do Estado do Rio. A rede de comunicação ajuda, acorda as consciências e projeta um futuro um pouco menos drástico.
                Vejo a possibilidade de pessoas felizes.
                Certa vez, ouvi da minha mulher que estávamos precisando um pouco de pieguice, afinal, as pessoas perdem, por vezes, a cerimônia, a gentileza, a educação.
                Hoje, certo de que a felicidade é conteúdo a ser ensinado, proponho uma respiração mais profunda, um minuto de olhos fechados sem filosofia alguma, e, sobretudo, proponho um “como vai?” sincero, um “bom dia” (de fato) e uma reflexão: sua criança está feliz?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

                                                                                                            
Algumas perguntas
                                                                                              Fernando Arosa
            Por que será que ainda precisam lutar pela democracia ?
            Por que ouço de longe o choro de crianças, procuro em volta e não vejo?
            Quanto tempo vai durar a impotência das pessoas de bem?
            Quando a África voltará a ter a atenção do mundo?
            De que forma poderemos atuar para que os meios de comunicação esclareçam a violência e não deformem mais aqueles que ainda não sabem o que é subliminar?
            Que cor terá o dia da paz plena em todo o planeta?
            Sei lá, por que temos que nos conformar com as alíquotas de impostos sem vermos os hospitais funcionando, com eficácia, para todos de qualquer classe social?
            Será que saberemos identificar o ético?
            De que forma conseguiremos nos relacionar sem ter de memória os artigos dos códigos civil e penal?
            Você saberia desativar a energia do metrô de sua cidade?
            Você saberia dizer onde mora e quais os horários dos Juizes de sua Comarca?
            De que maneira você colabora para que não sejamos humilhados quando falamos sobre o preconceito racial existente no nosso país?
            Quantas horas de televisão tem seu filho de 4 anos?
            Você fuma no elevador?
            Seu celular toca no meio de uma reunião de pais, na escola de seu filho? Aliás, você já foi à reunião convocada pela escola de seu filho neste ano? Aliás, seu filho está bem na escola? Aliás, você já conversou com ele essa semana?
            Suponha que o guarda-rodoviário queira aplicar a multa porque seu carro não está com os equipamentos básicos de acordo com o código, você daria um jeitinho para que ele deixasse você sair dali e em troca você deixaria uma cervejinha? E se ele não aceitar, você vai achar que ele quer apenas mostrar trabalho?
            Por que não percebemos que as praças deveriam ser lugar seguro a qualquer hora do dia?
            Desde quando não sabemos que botar o pé na poltrona da frente no teatro e/ou cinema não é adequado?
            Quando que aprendi que não é preciso gritar para ser ouvido? Esqueci ou me obrigaram a gritar?
            Por que meu vizinho não respeita o horário do silêncio?
            Por que existe o disque-barulho?
            E a moda dos aparelhos de som nos automóveis? O que você acha?
            Quem é Cartola, Lupicínio, Rubem Braga, Ferreira Gullar? Você os conhece?
            E os estranhos momentos em que as pessoas conversavam nas calçadas do bairro em noite de calor? Estranho isso, não? Muito estranho: pessoas, conversa, calçada...
            Seu  último beijo foi dado com concentração ou foi burocrático?
            Quem foi Gandhi? Onde é a Índia? E no Japão, só fabricam aparelhos domésticos?
            Sua saúde vai bem? Em que momento esqueci que a fome é minha também?
            Será que saberei lidar com todas as máquinas? Quem manda mais, você ou seu cartão de crédito? Você ou a vontade de consumir ? Quem manda mais...?
            Mais uma, juro que é a última de hoje: quem é você?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um Instante

Ferreira Gullar

Um instante

Aqui me tenho
Como não me conheço
            nem me quis
sem começo
nem fim
          aqui me tenho
          sem mim
nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
        transparente