quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Sandálias Novas

                                                                                   Fernando Arosa

O carrinho era do tipo Jeep, com luzes piscando, preto, escrito Police. No alto, um emblema. Suas rodas altas. As portas abriam e, acionado o botão, ele saía em direção a algum chamado de emergência, um ladrão qualquer, um banco sendo invadido... a cabeça ia longe. Nessa época do ano, ele sempre retorna, assim como outros brinquedos. Sobretudo aqueles me faziam transformar o espaço real em fantasia, o tempo sequer existia.
                A infância, da minha infância, era um recheio de vida com muitas emoções. Ficava à espera de uma corrida, de uma árvore a subir, de uma bicicleta,  do colo nas horas difíceis, dos irmãos, primos e primas, tios e tias. No Natal, tudo isso era um sinônimo de reunião. O Natal da infância.
                Hoje me senti na obrigação de cometer uma crônica de Natal. Sei que tudo já foi dito, mas meu Natal é sempre um retorno aos brinquedos ganhados, às emoções vividas e às expectativas no futuro do pretérito.
                Adultos não esperam Papai Noel, ou melhor, fingem que não esperam. Aguardam a oportunidade de se tornarem pais ou tios (de qualquer natureza) para correr e alimentar a criança novamente. É claro que esperamos o bom velhinho. Mesmo escandalizados com os preços, com a inabilidade das pessoas, com as angústias da vida madura, estamos lá, acreditando que o renascer seja possível.
                É assim que os sonhos não deixam de existir: através do sorriso do outro, do abraço, da divisão das tarefas, dos encontros, da certeza de que ainda somos possíveis.
                Passei pela rua e o movimento é frenético. Entrei na galeria para pegar minhas sandálias no conserto. O sapateiro sorridente me desejou um Feliz Natal e afirmou, categoricamente, que posso andar mais uns cem quilômetros com o novo calçado, recuperado com afinco e maestria. Estou de sandálias novas e sigo com a ansiedade de ver meus filhos brilhando de alegria, renovados com nossas orações...
                Um Feliz Natal para todos.
               

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O homem enigmático

                                                                                                                Fernando Arosa 
            Ele acordou no horário de sempre, responsável, levantou-se pronto para o dia que surgia azulado.
            Notícias na TV o prenderiam em casa, porém as obrigações profissionais o expulsaram da mesa do café; beijos na esposa, filhos e rua.
            Os olhos encurtaram-se ante os raios solares fortes e irrefutáveis. Promessas de um dia de cinema. Pensava estar em um set, não se lembrava de dia tão iluminado, perfeito para sentir-se livre, com alguma filosofia, dores na alma, mas livre.
            Entrou na condução, lembrou-se da agenda cheia e desceu. Caminhou pela cidade com um ritmo ancestral, não teve pressa. Teve a justa e primitiva certeza de fazer parte daquele cenário: céu azul, linha do horizonte, mar, montanhas, pássaros... Anulou o resto que via e se integrou ao que o interessava e encantava.
            Chegou tarde ao escritório, pe´s cansados e coração e alma refeitos. Inquirido pelo atraso, respondeu:
            _ A manhã...sabem? Lembram da manhã? Estava perfeita!!! Me entreguei, só isso...

                                               ( Texto baseado em crônica de Paulo Mendes Campos – O pombo enigmático – 1962)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Preguiça

                                                                                                                      Fernando Arosa

             Tarde da noite e nada! Dia seguinte, nada. Mais uns dias, horas a fio e nada ainda. Foi assim durante uma semana, quase duas. Na obscuridade, no fundo de uma gaveta imaginária, um depósito. Fiquei por lá, sem lançar mão de minhas armas. Motivo: preguiça.
            Acordei remoendo após uma semana, com dor no corpo de tanta preguiça. Não andei, não li, não consertei a bicicleta, não arrumei o armário que me espera há seis meses, não telefonei para uns e outros, percorri um site aqui outro ali, mas escrever, nada.
            Levei e apanhei os filhos na escola, com eles eu brinquei, aprendi que baleias podem ser venenosas (pelo menos as do meu filho), constatei que minha filha já se dá o direito de ficar emburrada, o que só me causa risos, trabalhei, trabalhei, mas escrever, nada, por pura preguiça.
            Essa inércia momentânea, por vezes, se dá em outros recantos da vida. Quantas vezes deixamos de reunir nossos amigos em nossa casa, para bater um papo, jogar conversa fora, trocar sorrisos? Quantas e quantas vezes fazemos dramalhão porque trabalhamos muito e deixamos a energia parada, sem circulação, nos nossos recantos, não fazemos nossa faxina interna por pura preguiça.
            Refazendo o caminho, vi que em muitos momentos abandonamos nossos direitos porque não queremos ter trabalho. E em nome desse não querer, recuamos e recusamos nosso progresso enquanto grupo.
            Escrever não é tarefa das mais fáceis. Temos que nos expor, refletir, escolher, minuciosamente recolher do cotidiano um motivo, trabalhar a sintaxe, a semântica... Para quem pegou o gosto, uma semana é muito tempo, por isso, eis aqui o antídoto.
            Que tal marcar um almoço no final de semana com alguém que não vê há muito tempo? Não dê desculpas, hoje é muito fácil cozinhar. Por que não aproveita a sexta-feira e marca para ver a árvore da Lagoa? Se der sol, encontre a turma da praia de antigamente, mas não se deixe mais abandonar de si mesmo.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010