terça-feira, 31 de maio de 2016

CAMPO GRANDE


De pronto, estamos diante de um grande susto: o abandono. Mas o que há conosco quando nos aterrorizamos com isso? Nós nos abandonamos diariamente, uns aos outros.
As folhas da amendoeira balançavam com o céu ao fundo. Verdes e azuis em harmonia abrem o filme de Sandra kogut e o olhar percorre outras possibilidades reais. A trama acontece numa cidade em transformação, com ruídos e agitação, típicos sinais de progresso. Uma menina carrega consigo um nome e um endereço anotados em um pedaço de papel, registro de uma possível nova identidade?
As cenas transcorrem numa naturalidade angustiante, uma criança deixada em uma casa sem muita explicação, em uma família em processo de desfecho. E a tentativa de desvendar aquela nova situação cria o conflito que se desenvolverá em belas imagens, compostas por olhares reveladores. Como em Mutum, Sandra kogut protagoniza o olhar infantil, não como narrativa eloquente, repleta de ações, clichês de pronto entendimento, mas com pausas e silêncios, com olhar de fato, reflexo do que se está sentindo. Os atores-mirins dão o ar que fundamenta todo o eixo complexo criado por Kogut: famílias sendo refeitas, desejos e frustrações humanas, e, sobretudo, a ausência do cuidado. Regina, personagem vivida por Carla Ribas, parte para uma experiência que a transporta para lugares nunca vistos, o lugar dos espaços de uma cidade que aparece muito fora dos padrões de cartão postal, o lugar de uma mulher que se vê sob a análise da filha “você não sabe cuidar de ninguém” e se lança a achar a família daquelas crianças ...
Campo Grande, um filme que derrama em nós algumas cenas poéticas, como o momento em que a adolescente e o menino dividem a tela com uma bela canção que fala de amor, ou ainda com a imagem da mulher que aparece, na sequência dos fatos, sendo despida aos poucos à medida que sua casa vai esvaziando com a ausência da filha, dos móveis, dos livros. Belo filme. E seguimos pela calçada...