sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Retrospectiva





Não terei aqui compromisso com a temporalidade, sequer com o mundo real, mas às vezes direi verdades. Conheci o universo da rede social. Meu calendário em 2011 parecia não ter nexo. Trabalhei como nunca, apesar de ter apostado em um ano mais tranqüilo. Minha tranqüilidade foi garantida em casa, mas na rua...socorro. Em 1976, tive minha primeira experiência política. Em 2011, fui político com maturidade e não esganei ninguém. Levei alguns sustos, um temporal fez meu filho ter medo de trovões até hoje.
Em todo o mundo, a economia esteve ameaçada, porém dizem que o Brasil está protegido. Minhas contas não fecharam. Conheci em 2011 pessoas inacreditavelmente horrorosas. Já esqueci. Em 1985, me formei e jurei compromisso com a Educação: estou tentando. Ouvi de uma professora, em 2011, “que lei que nada, vou fumar aqui dentro da escola...”. Fui ao primeiro Rock in Rio e nunca mais esqueci.
Prenderam o Nem aqui perto de casa. Consegui em 2011 construir a calma antes nunca alcançada. De 1989 a 1995, trabalhei com duas pessoas muito duras, exigentes, muitas vezes incompreendidas (na época), mas que marcaram positivamente minha vida profissional: obrigado Amélia e Lídia. Em 2011, trabalhei com duas pessoas que não quero nem ver na rua. Esqueceram de prender gente que se encosta no funcionalismo público.
Em 2007, Caio chegou. Em 2009, Júlia chegou. Em 2011, os dois são irmãos com olhares de companheirismo nas peraltices (que termo antigo!). Em 2011, conheci pessoas incríveis, pois comecei a escrever um livro; obrigado: Esméria Freitas, Sérgio Cabral, Melanie Dimantas, Patrícia kogut, Mauro Senise, Cláudia Costin, Roberto Lima Neto.
Amy Winehouse foi embora, que pena! Chico Buarque estará de volta em 2012. Rezei pouco, estive muito humano. A tecnologia avança e cria relações virtuais. Por causa da rede social, reencontrei pessoas que não via há mais de 15 anos. O telefone ainda funciona, ok? Minha casa pede nova pintura, mas isso fica para o ano que vem.
Em 2012, perderei 10 quilos (dos 20 que tenho que perder). Em 2014, farei 50 anos. Ops, é retrospectiva! Desculpem-me. Em 2011, vimos de tudo: extorção, violência, guerra, fome, overdose, nada de novo.
Em 2012, quero meus amigos mais perto. Desejo em 2012 que tenhamos mais alegrias que tristezas, mais amor, menos desconfiança, mais prazer em viver.
Hoje, meu filho me fez a seguinte pergunta: “Pai, cavalo tem bochecha?” Respondi que não, mas fiquei na dúvida. Tenho que criar respostas melhores em 2012. Mas o que preciso mesmo é fazer quem está ligado a mim rir mais, esperar mais da vida, querer estar por aqui mais tempo.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011


                                                                                                                      Afonso Romano de Santana
Há vários modos de matar um homem:

com o tiro, a fome, a espada
ou com a palavra
– envenenada.

Não é preciso força.
Basta que a boca solte
a frase engatilhada
e o outro morre
– na sintaxe da emboscada .

terça-feira, 7 de junho de 2011

Um pouco de coisas simples

                                                                                                                                        Fernando Arosa





                Nosso país é uma graça mesmo: políticos envolvidos em atos ilícitos, a saúde uma vergonha, a educação sendo escrita ainda com letras minúsculas. Parece-me que a gente nunca vai sair disso, sinto muitas vezes aquele desânimo que aperta o coração de quem está no ônibus cheio, na fila dos postos de saúde, nas esquinas sem rumo, no campo sem semente.

                Nossa cidade é uma graça mesmo: políticos envolvidos em atos ilícitos, a saúde uma vergonha, a educação sendo escrita ainda com letras minúsculas. Vejo diariamente o dinheiro público ser desperdiçado em compras desnecessárias, professores mal pagos, professores desiludidos,  alguns professores que por tudo isso não se comprometem com o trabalho, a mídia anunciando sempre que não teremos mais jeito.

                Nosso país, nossa cidade, nossa casa, tudo reflete uma política maior de não saber quem nós somos, de seguir em frente sem criticidade, de criar metas cada vez mais inalcançáveis de consumo. Não quero ser reducionista, mas estamos sendo uma numeração, um código de barras, um carimbo, a máquina de trabalhar, trabalhar, trabalhar para a sobrevida fantasiada de cores, tecidos, bebidas, uma música inaudível, o desrespeito, o desencontro.

                Nossa casa e nossa vida, quem manda nisso? Nós mesmos ou deixaremos nos afogar nesse desesperar?

                Hoje, após muito tempo, reencontrei uns amigos, graças à tecnologia. Nos falamos virtualmente, trocamos telefone e tivemos a coragem de nos falar. Contamos o que fizemos nesses últimos quinze anos, falamos de filhos, de família, múltiplas emoções. Recuperamos a juventude em quinze minutos de papo. Nos prometemos reencontro mesmo que ainda no nosso país e cidade tão desinteressantes.

                Uma frase martelou em mim o dia inteiro: “ vamos ver se nos encontramos pra rir, a vida anda muito séria”. De fato, estamos precisando do riso, do reencontro e da certeza de que somente no convívio amoroso poderemos nos refazer, buscando a reinvenção de nós mesmos.


terça-feira, 31 de maio de 2011

Alma

                                                                                   Composição : Pepeu Gomes e Arnaldo Antunes
Alma! Alma! Alma!
Alma!
Deixa eu ver sua alma
A epiderme da alma
Superfície!
Alma!
Deixa eu tocar sua alma
Com a superfície da palma
Da minha mão
Superfície!...
Easy! Fique bem easy
Fique sem, nem razão
Da superfície!
Livre! Fique sim, livre
Fique bem, com razão ou não
Aterrize!...
Alma!
Isso do medo se acalma
Isso de sede se aplaca
Todo pesar não existe
Alma!
Como um reflexo na água
Sobre a última camada
Que fica na
Superfície!...
Crise!
Já acabou, livre
Já passou o meu temor
Do seu medo sem motivo
Riso, de manhã, riso
De neném a água já molhou
A superfície!...
Alma!
Daqui do lado de fora
Nenhuma forma de trauma
Sobrevive!
Abra a sua válvula agora
A sua cápsula alma
Flutua na
Superfície!...
Lisa, que me alisa
Seu suor, o sal que sai do sol
Da superfície!
Simples, devagar, simples
Bem de leve
A alma já pousou
Na superfície!...
Alma!
Daqui do lado de fora
Nenhuma forma de trauma
Sobrevive!
Abra a sua válvula agora
A sua cápsula alma
Flutua na
Superfície!...
Lisa, que me alisa
Seu suor, o sal que sai do sol
Da superfície!
Simples, devagar, simples
Bem de leve
A alma já pousou
Na superfície!...
Alma!
Deixa eu ver sua alma
A epiderme da alma
Superfície!
Alma!
Deixa eu tocar sua alma
Com a superfície da palma
Da minha mão
Superfície!...
Alma!
Deixa eu ver!
Deixa eu tocar!
Alma! Alma!
Deixa eu ver!
Deixa eu tocar!
Alma! Alma!
Superfície
Alma! Alma!
ALMA!

domingo, 29 de maio de 2011

Germain e Margueritte


                                                                                                                            Fernando Arosa




                O cinema é o lugar onde mais me sinto fora do mundo e dentro dele. Lá esqueço de tudo e me integro nessa arte que, pelo seu tamanho, nos mostra quanto somos pequenos e grandes. É de propósito que estabeleço os opostos aqui, temos vivido na corda bamba da diferença, tentando chegar ao equilíbrio.

                Saí de casa para rir, “quero ver uma comédia”. Fomos em busca de uma e decidimos arriscar assistir a um filme com Gérard Depardieu, excelente ator que transita entre os gêneros com simplicidade e experiência. O cartaz do filme já me atraiu, parecia-me promessa de diversão leve, mesmo que não fosse uma comédia ou algo rizível. Chegamos cedo e aguardávamos a hora da exibição. Comentávamos sobre as pessoas que passavam, coisas das mais normais. As portas se abriram e saíam alguns olhos embotados, narizes sendo enxugados, ou seja, ingresso comprado e a promessa do riso indo por água abaixo.

                Que nada! Não havia risada, mas, sim, o sorriso. Margueritte e Germain, personagens vividos por Gisèle Casadesus e Gérard Depardieu, respectivamente, nos levam a compreender muitas coisas e a explicar outras. As lágrimas da sessão anterior me remetem à falta de encontros que há na nossa sociedade; as pessoas estão cada vez mais carentes de encontros que permitam a troca de pequenos saberes, de afeto, de atenção.

                Margueritte, uma mulher na terceira idade (como se diz hoje) não teve filhos e possui uma vasta cultura literária, além da experiência de vida que a permite perceber em Germain a possibilidade de um novo amigo. Encontravam-se na praça da pacata cidade do interior da França e lá conversavam acompanhados pelos pombos que alimentavam. Contavam partes da vida, liam trechos de livros e, juntos, compunham uma história de amor, amizade, afeto, carinho, adoção. Sou suspeito, pois conheço a causa de perto, mas o que vejo nesse filme é a lição da adoção.

                Germain, homem já feito, carrega o estereótipo do grosseirão, da pouca inteligência. Menino renegado pela mãe, ele trafega entre o afetivo e o ríspido, entre o amor e o desamor, entre o adulto ferido e a promessa de felicidade com a mulher com quem mantém uma relação, aparentemente carnal.

                Germain e Marguerite compõem um cenário que, se tivéssemos paciência para analisar, resolveria metade dos problemas da humanidade: atenção e adoção. Um adota o outro. Ele, sem mãe, ela, sem filho. O amor, o afeto, a simplicidade, e a aceitação das diferenças.

                Agora, já absorvido por Marguerite como um leitor sensível, atribuído a ele a inteligência que ninguém via, Germain é capaz de se tornar pai, dedicar-se ao amor, afinal, conheceu-o agora de forma completa e verdadeira.

                Minhas tardes com Margueritte, do diretor Jean Becker, mesmo diretor de Conversas com meu jardineiro (também excelente filme)nos possibilita 82 minutos de diversão e arte. Afinal, “você tem fome de quê?”

terça-feira, 19 de abril de 2011

O Pedido - Elomar

O Pedido
Já que tu vai lá pra feira
traga de lá para mim
Água da fulô que cheira,
Um novelo e um carrim
Traz um pacote de miss
Meu amigo Ah! Se tu visse
Aquele cego cantador
Um dia ele me disse
Jogando um mote de amor
Que eu havera de viver
Por este mundo e morrer
Ainda em flor
Passa naquela barraca
Daquela mulé resera
Onde almoçamo paca,
Panelada e frigideira
Inté você disse uma loa
Gabando a bóia boa
Das casas da cidade
Aquela era a primeira
Traz pra mim umas brevidades
Que eu quero matar a saudade
Faz tempo que eu fui na feira
Ai saudade...
Ah! Pois sim, vê se não esquece
D'inda nessa lua cheia
Nós vai brincar na quermesse
Lá no riacho d'areia
Na casa daquele homem,
Feiticeiro curador
O dia inteiro é homem
Filho de Nosso Senhor
Mas dispois da meia noite
É lobisomem comedor
Dos pagão que as mãe esqueceu
Do Batismo salvador
E tem mais dois garrafão
Com dois canguim responsador
Ah! Pois sim vê se não esquece
De trazê ruge e carmim
Ah! Se o dinheiro desse
Eu queria um trancelim
E mais três metros de chita
Que é pra eu fazê um vestido
E ficar bem mais bonita
Que Madô de Juca Dido,
Zefa de Nhô Joaquim
Já que tu vai lá pra feira
Meu amigo, tras essas coisinhas
Para mim.



http://www.vagalume.com.br/elomar-figueira-de-melo/o-pedido-2.html#ixzz1Jzsqxk4g

domingo, 10 de abril de 2011

Magnum Ano 13

Fernando Arosa
27/4/03
A alguns metros de distância de um batalhão de polícia, de uma praça pública, de uma escola, enfim, no centro de um bairro do Rio de Janeiro, vejo uma cena que me chama atenção, mas naquele momento, corro para cumprir a agenda do dia. Aqueles dois adolescentes com olhar fixo na banca de jornal me intrigaram; a princípio nada de anormal, temos muitas coisas para prender a atenção num estabelecimento como esse.  Procurei, rapidamente, olhar o que possivelmente estava em mira, mas não daria tempo, o relógio corria contra mim, mais tarde mataria minha curiosidade.
Hoje, domingo, aproveitando o azul que cobria a cidade maravilhosa, saio caminhando, observando os carros enlouquecidos que aproveitam o fluxo menor de concorrentes na corrida de pista única. Lembro-me dos meninos, de uniforme, e constato o que não gostaria, na verdade, o certo não é constatar, é desconfiar, supor, enfim, o que ali estava escancaradamente exposto , dentre outras revistas, que asseguro não chamariam tanto a atenção daqueles quase adultos, é nada menos que uma publicação especializada em armas.
Propositalmente recorto o tema e pergunto: estão mais seguros com as novas medidas de segurança para o nosso estado? Conhecem agora os planos que assegurarão a ordem pública? Você é de que bonde? Você fica mais tranqüilo quando o secretário de segurança de seu estado diz que vai mandar para a “geladeira” aqueles maus policiais?...
Que importância tem o discurso na política! Imaginei nossos meninos da banca de jornal, eleitores, prontos para a guerra, ouvindo tais declarações. Como será que essas mensagens chegam a eles? Imagino que de certa forma, ao reconhecer sua linguagem, acharão, no mínimo, simpático. Li que estaremos equipados com mais sete carros para uma polícia especial..., ora, que alívio!
Penso numa crônica de Machado de Assis que em 1883 tratava com delicada ironia os maus comportados do bonde. Indicava-os dez regras do bom uso daquele meio de locomoção, dizia ter mais, em torno de setenta, mas que ali seguiam aquelas apenas. Preocupava-se com os encatarroados, com as pessoas com morrinha e tantas outras divertidas condições que, se seguidas, manteriam a civilidade. Pois então, a palavra bonde, agora é usada em outro sentido, mas que ainda carrega em sua carga semântica o conteúdo de grupo. A que pertencemos? Ao do Bonde ? Ao grupo dos que estarão na geladeira? O termo certamente está sendo estudado nas universidades, mas precisamos com urgência sair da análise acadêmica para a prática política efetiva.
Preferiria ouvir declarações menos populistas, porém, objetivamente de uma política de governo que atacasse o problema do Rio de Janeiro com olhar social, antropológico, pensando nas pessoas de todas as camadas da população que sofrem perdas diariamente, que não sabem mais sair de casa sem a incerteza do retorno. Qual o bonde? Isso não passa de brincadeira de mau gosto contra o povo. Talvez esteja representando o papel do mocinho dos filmes de antigamente, ou quem sabe, apenas um exercício de jogo político, ou ainda, um lançamento de uma nova revista.
Gostaria de ver os meninos na banca de jornal disputando as figurinhas difíceis do álbum dos ídolos do futebol. O Brasil e o Rio merecem coisa melhor.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O Livro sobre Nada

                                                                                                        Manoel de Barros

  • Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
  • Tudo que não invento é falso.
  • Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
  • Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
  • É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
  • Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia.
  • Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.
  • A inércia é o meu ato principal.
  • Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
  • O artista é um erro da natureza.  Beethoven foi um erro perfeito.
  • A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
  • Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
  • Por pudor sou impuro.
  • Não preciso do fim para chegar.
  • De tudo haveria de ficar para nós um sentimento longínquo de coisa esquecida na terra — Como um lápis numa península.
  • Do lugar onde estou já fui embora.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

1º de abril

                                                                                                                         Fernando Arosa


                Hoje de manhã fui abordado por uma cidadã que disse:
                __ Tio, sua camisa está toda suja! __ e apontou para a manga da camisa.
                Prontamente, olhei e nada. A cidadã estava em largo sorriso e completou com a vitória do dia:
                __ Primeiro de abril, tio.
                Rimos juntos, tentei inventar algumas outras mentiras para me vingar, mas a graça primeira vencera. A mentira sem conseqüências, a mentira da verdade simples, da possibilidade do gracejo infantil.
                Fui mais adiante, anunciei sorvete onde seria impossível, ofereci quantias inacreditáveis aos amigos, coloquei as fantasias de riqueza em dia,  e ainda decretei:
                __ Serei presidente dessa república!
                Essa foi a maior de todas. Ouvi avaliações até simpáticas do tipo “acho que você até tentaria fazer alguma coisa”, ou ainda “ quem sabe até você conseguiria espalhar livros e criar mais leitores!”, mas isso não aconteceria .
                O Primeiro de Abril se espalha por todo o calendário, a mentira das filas de hospital, dos orçamentos, da educação. Tudo isso inviabilizaria minha mentira maior: presidir alguma coisa.
                “Como é que vou trabalhar se essa menina me dá repulsa...” (educadora)
                “Não tenho obrigação de tomar conta de aluno que não obedece...” (outra educadora).
                “Não podemos fazer nada por ela, não temos um diagnóstico fechado (apesar de trabalhar com o caso há mais de um ano- psicóloga).
                “Quatro horas e meia com essas crianças agitadas...”
                “ Não tenho dinheiro pra pagar o valor total do ingresso, apelei pra carteirinha de estudante. (falsa).”
                E por aí vão nossas mentiras diárias, sem graça, levianas...
                Hoje de manhã fui abordado por uma cidadã que, espero, cresça e invente outros sorrisos, verdadeiros...
               

quarta-feira, 2 de março de 2011

Volver a los diecisiete

Violeta Parra - 1964/65


Volver a los diecisiete
después de vivir un siglo
es como descifrar signos
sin ser sabio competente,
volver a ser de repente
tan frágil como un segundo,
volver a sentir profundo
como un niño frente a Dios,
eso es lo que siento yo
en este instante fecundo.

Se va enredando, enredando,
como en el muro la hiedra,
y va brotando, brotando,
como el musguito en la piedra.
Ay si si si

Mi paso retrocedido
cuando el de ustedes avanza,
el arco de las alianzas
ha penetrado en mi nido,
con todo su colorido
se ha paseado por mis venas
y hasta las duras cadenas
con que nos ata el destino
es como un diamante fino
que alumbra mi alma serena.

Lo que puede el sentimiento
no lo ha podido el saber,
ni el mas claro proceder
ni el más ancho pensamiento,
todo lo cambia el momento
cual mago condescendiente,
nos aleja dulcemente
de rencores y violencias,
sólo el amor con su ciencia
nos vuelve tan inocentes.

El amor es torbellino
de pureza original,
hasta el feroz animal
susurra su dulce trino,
detiene a los peregrinos,
libera a los prisioneros,
el amor con sus esmeros
al viejo lo vuelve niño
y al malo solo el cariño
lo vuelve puro y sincero.

De par en par en la ventana
se abrió como por encanto,
entró el amor con su manto
como una tibia mañana,
al son de su bella diana
hizo brotar el jazmín,
volando cual serafín
al cielo le puso aretes
y mis años en diecisiete
los convirtió el querubín.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Notícias de Jornal

                                                                                                              Fernando Arosa

Acordamos muitas vezes com vontade de que tudo dê certo. O dia pode estar nublado, mas não ligamos. A ajudante liga dizendo que o filho está adoentado e que não poderá comparecer ao trabalho, e você, com resignação, dá um jeito. Vai até à porta pegar o jornal e descobre que ele não foi entregue, você liga para o jornal e recebe a notícia (muitas vezes lembrada anteriormente) de que sua assinatura expirou, aí você resolve ir ao jornaleiro, afinal, como começar o dia sem jornal?
                O dia ainda deverá dar certo, por isso, com dedicação à positividade, você dá uma leve
batidinha no joelho e diz “vou comprar um jornalzinho, um pão fresquinho e já volto”, levanta-se, pega a carteira, os óculos escuros e sai, resoluto, para encontrar o dia que já havia se anunciado para várias outras pessoas.
                Tranquilizado pela energia do fazer algo, chega à banca de jornal, experimenta uma frase com o jornaleiro, se anula um pouco com algum comentário sobre seu time, comenta o pronunciamento da presidente da república, mas sem querer ouvir o contraponto, e se despede para escolher, no cesto de pães, aqueles que comporão o quadro do café da manhã perfeito.
                O dia está dando certo, pensa, apesar da falta que ela faz em sua vida. Parte o pão e lembra que hoje é dia 19, dia de sua audiência contra o plano de saúde. Passa a manteiga, recordando que ontem a reunião fora improdutiva, mas decide esquecer tudo isso. O telefone toca, a moça do telemarketing, então, ouve que não pode ser atendida, pois seu dia está começando e está programado para dar certo.
                A cafeteira cumpriu sua tarefa a contento e você dá o primeiro gole de café, abrindo o jornal. Dentro dele, o mundo. Regimes autoritários (ainda existem!!!), a bolha imobiliária está elevando os preços, os partidos políticos estão nas manobras, a burocracia ainda emperra o país...
                Você, que ainda quer seu dia dando certo, se levanta, arruma o jornal e decide en tregá-lo de volta ao jornaleiro, alegando ter sido enganado, pois só havia notícias desagradáveis e exige seu dinheiro de volta. Ele nega, não o argumento, mas a lógica capitalista às avessas que você tenta imprimir. Certo de que o dia ainda pode dar certo, você vai ao Juizado de pequenas causas tentar apoio e criar jurisprudência. Boa sorte.
               

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Educar para a felicidade

                                                                                                                  Fernando Arosa

                O que equilibra o mundo são as crianças. São teimosas, insistentes em seus desejos, choram por motivos reles (julgados por nós, é claro), por vezes são violentas, mas porque carregam a irrefutável condição humana, e mesmo assim, equilibram o mundo.
                Quando educadas, podem se tornar pessoas capazes de feitos admiráveis. Quando cultivadas como pessoas, se tornam amáveis, solidárias, fortes a ponto de passar pela rara e difícil tarefa de viver.
                Recentemente, nos surpreendemos com a rede de solidariedade exemplificada nos milhões de itens de donativos enviados aos necessitados na região serrana do Estado do Rio. A rede de comunicação ajuda, acorda as consciências e projeta um futuro um pouco menos drástico.
                Vejo a possibilidade de pessoas felizes.
                Certa vez, ouvi da minha mulher que estávamos precisando um pouco de pieguice, afinal, as pessoas perdem, por vezes, a cerimônia, a gentileza, a educação.
                Hoje, certo de que a felicidade é conteúdo a ser ensinado, proponho uma respiração mais profunda, um minuto de olhos fechados sem filosofia alguma, e, sobretudo, proponho um “como vai?” sincero, um “bom dia” (de fato) e uma reflexão: sua criança está feliz?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

                                                                                                            
Algumas perguntas
                                                                                              Fernando Arosa
            Por que será que ainda precisam lutar pela democracia ?
            Por que ouço de longe o choro de crianças, procuro em volta e não vejo?
            Quanto tempo vai durar a impotência das pessoas de bem?
            Quando a África voltará a ter a atenção do mundo?
            De que forma poderemos atuar para que os meios de comunicação esclareçam a violência e não deformem mais aqueles que ainda não sabem o que é subliminar?
            Que cor terá o dia da paz plena em todo o planeta?
            Sei lá, por que temos que nos conformar com as alíquotas de impostos sem vermos os hospitais funcionando, com eficácia, para todos de qualquer classe social?
            Será que saberemos identificar o ético?
            De que forma conseguiremos nos relacionar sem ter de memória os artigos dos códigos civil e penal?
            Você saberia desativar a energia do metrô de sua cidade?
            Você saberia dizer onde mora e quais os horários dos Juizes de sua Comarca?
            De que maneira você colabora para que não sejamos humilhados quando falamos sobre o preconceito racial existente no nosso país?
            Quantas horas de televisão tem seu filho de 4 anos?
            Você fuma no elevador?
            Seu celular toca no meio de uma reunião de pais, na escola de seu filho? Aliás, você já foi à reunião convocada pela escola de seu filho neste ano? Aliás, seu filho está bem na escola? Aliás, você já conversou com ele essa semana?
            Suponha que o guarda-rodoviário queira aplicar a multa porque seu carro não está com os equipamentos básicos de acordo com o código, você daria um jeitinho para que ele deixasse você sair dali e em troca você deixaria uma cervejinha? E se ele não aceitar, você vai achar que ele quer apenas mostrar trabalho?
            Por que não percebemos que as praças deveriam ser lugar seguro a qualquer hora do dia?
            Desde quando não sabemos que botar o pé na poltrona da frente no teatro e/ou cinema não é adequado?
            Quando que aprendi que não é preciso gritar para ser ouvido? Esqueci ou me obrigaram a gritar?
            Por que meu vizinho não respeita o horário do silêncio?
            Por que existe o disque-barulho?
            E a moda dos aparelhos de som nos automóveis? O que você acha?
            Quem é Cartola, Lupicínio, Rubem Braga, Ferreira Gullar? Você os conhece?
            E os estranhos momentos em que as pessoas conversavam nas calçadas do bairro em noite de calor? Estranho isso, não? Muito estranho: pessoas, conversa, calçada...
            Seu  último beijo foi dado com concentração ou foi burocrático?
            Quem foi Gandhi? Onde é a Índia? E no Japão, só fabricam aparelhos domésticos?
            Sua saúde vai bem? Em que momento esqueci que a fome é minha também?
            Será que saberei lidar com todas as máquinas? Quem manda mais, você ou seu cartão de crédito? Você ou a vontade de consumir ? Quem manda mais...?
            Mais uma, juro que é a última de hoje: quem é você?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um Instante

Ferreira Gullar

Um instante

Aqui me tenho
Como não me conheço
            nem me quis
sem começo
nem fim
          aqui me tenho
          sem mim
nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
        transparente


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Hoje de Manhã

                               Alberto Caeiro
Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...
Não sabia por caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.
Assim tem sido sempre a minha vida, e 
assim quero que possa ser sempre —
Vou onde o vento me leva e não me 
Sinto pensar.