sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Olheiro

Estamos em destaque. O mundo nos verá a partir do início da Copa da Fifa. As ruas estão ainda mornas. A campanha presidencial está na rua. E os brasileiros ficarão em casa e verão pela TV os jogos. Quer assistir à final? É simples: compre o bilhete e vá, dependendo do tipo de ingresso, você terá que desembolsar R$2 mil. Seja otimista: “treino é treino, jogo é jogo”.
Logo de cara teremos uma partida com a Croácia que apresenta na sua equipe um brasileiro. Coitado, está tendo que justificar por que não joga pelo Brasil... há muitas explicações pra isso, uma delas é o sonho de uma vida melhor.
O mundo anda meio mal, mas o Brasil avança sua economia e conquista seu lugar no quadro mundial como uma nação que exporta, que cresce e que realiza a “maior Copa da história”. “A Copa da paz, da inclusão, da tolerância, do diálogo e do entendimento...”. O país, de fato, precisa disso tudo, mas clama também pela igualdade. Liberdade de expressão temos que vigiar e manter; fraternidade, conquistar com debate e garantia dos direitos, e, igualdade, exigir. Somos um país rico, estamos cada vez mais conscientes disso, mas não somos iguais. As diferenças de oportunidade estão nos ônibus, nas portas de hospital, nas filas de defensoria pública, nos guichês de atendimento da previdência social, nas escolas.
“Os olhos e os corações do mundo estarão voltados para o Brasil...”. O que temos para mostrar? O povo. Fala-se em legado, mas fala-se também que tudo já estava planejado, independente do evento internacional. O povo que deve ser o maior beneficiário, ainda enfrenta problemas básicos seríssimos, não somos pessimistas, vivemos nas ruas, nas filas, no país real... será que precisamos de um olheiro que nos leve para um lugar onde as igualdades estejam garantidas?

(Publicado em www.bafafa.com.br)
Horas, minutos, segundos


O dia doeu em mim. As luzes mal tinham se expandido e a cidade acobertada dos restos de ontem. Meu corpo ainda inerte, pedra seca, reclamava uma juventude que não volta mais. Esperei meus filhos virem se empoleirar sobre nós, e nada, já haviam crescido e fugiram da velha casa. O relógio batera seis e quinze naquele que seria um dia de algum metal que nada vale, pois havia começado em dores de corpo e alma. Saudades, vínculos estraçalhados e pouca luz.
Levantei, sozinho, encurvado ainda, uma trava que atravessou minha coluna agora sem cartilagens macias. Eita, vida dura!!! Diria minha avó. Eu não. Eita, vida... sabendo disso, visto-me e saio para abrir a janela da casa. Lembro-me de uma grande janela verde que fechava a cozinha de piso branco e vermelho. Em cima da geladeira, um relógio que soava os segundos com o movimento de um bonequinho esquimó, encantamento para os olhos infantis. Não, minha janela hoje é branca e dá para uma rua barulhenta, barulhos me deformam...
Horas mais tarde, já em posição humana, bípede que comanda a vida, ou imagina isso, recorro aos jornais como exercício de colocação no mundo real. Vi, hoje, 2014, que no Ceará, em lugar conhecido por Cafundó, chegou a luz elétrica. Que bom que chegou!!! Nossa, só hoje?... Isso me coloca de volta nos minutos que faltam para meu embarque. Rumo ao aeroporto, penso que nos viciamos em riquezas de pouco valor, e meu dia passa lentamente.
As “crianças” me ligaram para saber se estou bem, digo que sim e que na volta faríamos um almoço de família, todos juntos: pai, mãe, filhos... Entro no avião e saio para um lugar no futuro. Alguns segundos me deram essa impressão de tudo que disse. Mas, o fato, é que, agora já estou na metade do dia. Volto de ônibus para casa e espero a tarde sem dor.

Ereto, com ar de superioridade, de volta à realidade, enfrento o resto do dia. As vozes de hoje ordenam ações de pai, cidadão, homem seguindo a viagem. Numa piscadela de olhos, vejo correndo em minha direção, meus filhos, alegres em me ver. Jogam-se sobre mim e falam ao mesmo tempo o dia que tiveram, finjo entender e digo qualquer coisa e recomeço, renovado, com alívio, eles ainda não se foram...
Eu não sou macaco

—Não, meu filho, você não é macaco...
— Mas, pai, o Neymar disse que todo mundo é macaco.
— Mas foi em outro sentido...
— Mãe, o papai está desmentido o Neymar... — gritou o menino de 7 anos com força de quem quer proteger –se de um grande mal.
— Carlinhos, o papai está querendo dizer...
— Eu não estou querendo dizer nada, eu estou dizendo que nós não somos macacos e que o que o jogador quis demonstrar é que...
— Não complica, Arnaldo, você acha que o menino vai entender sua filosofia.
— Mas não fui eu que disse que nós somos macacos, estou tentando explicar pro Carlinhos que o Neymar disse uma coisa querendo dizer outra, só isso.
— Afinal de conta, pai, você está ou não está mentindo?
— Se vira, Marcelo, a bola é tua — sentenciou a mulher, com ar de desafio.
— Bom, vamos lá: meu filho, o que o Neymar quis dizer é que todos viemos do macaco, independente de nossa cor, sabe?
O menino arregalou o olho e ficou sem entender, parecia que o tinham colocado numa gaiola e ele teria que esperar que o trouxessem bananas para comer. O contexto ainda não tinha sido criado na sua linguagem, e a confusão estava armada.
— Pai, os jogadores de futebol são macacos? Só eles vieram dos macacos? Se for assim, quero ser jogador de futebol...
O nó aumentou e a família teve que se unir. Pai e mãe não sabiam e não queriam dizer que se tratava de um ato de preconceito do torcedor, não queriam expor ao filho o mundo estranho em que vivem, a preservação da inocência deveria ser mantida, não queriam que Carlinhos entendesse que o preconceito é criação humana.
— Perfeito, Carlinhos, se você quer ser jogador de futebol, então que seja..., mas você é gente, não é macaco...
Carlinhos se deu por satisfeito e a vida continuou alegre para o menino. O pai e a mãe seguiram vendidos...

(Publicada em www.bafafa.com.br)
El Cid de La Mancha

As lágrimas aqui no Rio de Janeiro tomaram proporções celestiais. No momento em que escrevo, chove bastante e a cidade é lavada com fôlego de faxina de fim de festa. Sim, perdemos e o hexa não foi dessa vez. Garantimos alguma alegria durante o campeonato, mas o fato é que a Alemanha inventou o gol do susto...explico: assustados, sem acreditar que estávamos abrindo o campo, os jogadores fizeram tudo o que havia sido combinado, há pelo menos seis anos. Tocaram a bola e meteram foi gol contra o país do futebol.
A partida começou e estávamos certos de que não seria fácil a batalha, mas sentíamos que a guerra estava ganha. Nosso exército corria confiante, carregados com o manto do pentacampeonato. A alegria parecia certa e as cervejarias já alcançavam índices astronômicos de venda. O ambulante já tinha feito encomendas para as próximas jornadas nas portas dos estádios... Minas Gerais confidenciava-se: somos a capital!!!
Mas os ventos chegaram com força total e os moinhos avançavam como monstros paralisando as pernas milionárias que tentavam entender o que estava acontecendo. A torcida ainda deu uma força, lutou com palavras e gritos, gestos que empurravam o vento maldito para o outro lado... e nada. Inimigos sem precedente fizeram um gol seguido de outro e foi assim, balançando o placar, que saíram de campo para o intervalo.
Os comentaristas da transmissão televisiva tentavam entender e diziam o que parecia ser um discurso disfarçado de equilíbrio ensaiado, mas o desespero já havia se instalado.
Os guerreiros invencíveis voltaram mancando moralmente, abatidos pelas pernas tortas e cansadas do futebol de ontem à noite. Pareciam ter passado a noite treinando e agora não davam mais conta. No lugar do manto, via-se uma nova tentativa de que a camisa amarela tremulasse nos braços do adversário. E o jogo recomeçou.
No canto do campo, avista-se Rocinante, aguardando seu Sancho Pança terminar o jogo. Gramava aqui e ali e ouvia sem acreditar que o Brasil estava perdendo e seu Don Quixote, mais uma vez, mudo à espera de uma grande vitória.
Não deu. A chuva ainda lava a cidade do Rio de Janeiro e a vizinhança ficou em silêncio, não aquele de 50. Talvez à espera de El Cid, aquele que, mesmo à beira da morte, encimando seu cavalo, exibindo seu garbo e poder, ganha a guerra. Mas não deu. Somos essa mistura de poder e sonho... nem sempre dá pra ganhar.
Lendo as redes sociais, vi que ainda somos brasileiros, pois não podemos perder a piada, né? O texto dizia: “bem fez o Neymar que pegou um atestado”.
É isso, agora, só daqui a quatro anos. Isso é que é duro... até a próxima.


(Publicada em www.bafafa.com.br)
Cartão amarelo


É um amor inexplicável esse do brasileiro pelo futebol. Aqueles que não amam, e ainda brasileiros, fixam-se em algum canto esperando seus pares para algum outro programa, outra torcida, outro grande amor. A hora do jogo é a oportunidade de sentir-se com as rédeas do país nas mãos. A equipe que corre no campo não é um time, não é uma bandeira que tremula no mastro, não é o hino cantado a capela de braços dados, lágrimas escondidas. São milhões de pessoas em cada par de pernas que corre pelo gramado, um vento, uma tempestade certa da vitória contra intrusos que insistem em querer tirar de nós o comando.
Nosso mapa muda de conformação, aquele que a escola traduz como marca territorial assume forma e cor com fronteiras brancas, retangulares, regras internacionais, um direito mundialmente reconhecido: somos o país do futebol. Como pedir ao povo que não seja assim, independente de tudo que as ruas clamam? Somos zagueiros, temos ataques constantes, driblar nossos adversários diariamente faz parte da conduta, da sobrevivência, por isso não aceitamos empate, afinal, ganhamos sempre...
O treinador Felipão avalia que temos a mania de entrar em campo com a certeza de que vamos ganhar, mas que temos adversários com boas condições de nos enfrentar; o povo, ainda sim, quer é gol. Levamos um cartão amarelo, temos que nos organizar, refazer nossos ataques e defesas, pensar em uma equipe que corre harmonicamente, cada um na sua posição. Aliás, isso dentro e fora do campo, certo?
O cartão vermelho é a penalidade máxima para o jogador e o pênalti configura falta grave para a equipe. Vimos alguns cartões vermelhos acontecerem no país essa semana, temos que reformatar nossas fronteiras e tomar o apito para ganhar esse jogo. Escolha sua próxima equipe...

(Publicada em www.bafafa.com.br)
Bisnaga ou baguete?

Contam que o Sr. Antônio da padaria da esquina chegou ao Brasil ainda muito novo, com a família, na década de 1940. Assim como ele, muitos vieram e se instalaram no Rio, e em São Paulo, trazendo na mala os sonhos transcritos na carta de Pero Vaz.
O Rio de Janeiro era outro, assim como Sr. Antônio virou um carioca da gema, ô pá! Sorria com facilidade, enxergava a vida com certa leveza e o fado não o toca tão profundamente como o samba de roda, mas Antônio cresceu atrás do balcão da padaria que, aos poucos, foi tomando formato com seus ladrilhos e balcão; o relógio na parede marcava a fornada e o bairro sentia o aroma do pão fresquinho.
Quando eu era criança, o pão era bisnaga e o relógio orientava os passantes sobre a posição do dia. O pão careca, o pão doce, o sonho com seu creme, o pudim de pão criavam o cenário da padaria do português que enriquecia, trabalhando de sol a sol, de domingo a domingo. Já ia esquecendo das roscas de polvilho e dos grandes pedaços de bolo com cobertura de banana ou abacaxi. A padaria servia no copo de vidro seu café coado puro ou pingado, vendia o leite em saquinhos de plástico, não mais em garrafas de vidro, que ao ferver, criavam a nata que mais tarde serviriam para os biscoitos. Era o bom dia e era o boa tarde das casas cariocas. No fim da tarde, lá pelas quatro, cindo horas, havia o lanche com o pão recém-saído do forno, e a vida era mais simples.
Ontem, quis me certificar da hora e não achei o relógio na parede da padaria de uma esquina por onde eu passava. Resolvi entrar e pedir uma bisnaga. O atendente do balcão não sabia o que era, chamou o gerente que me ofereceu uma baguete, o que, definitivamente, não é a mesma coisa. O balcão, iluminado, fazia brilhar os doces finos e as tortas maquiadas, estrelas de um cinema industrial.
Saí e, num instante, avistei, sentado numa mesinha ao fundo, lendo o jornal, com sua boina azul marinho, Sr. Antônio, o português da padaria, já idoso, tomando seu café no copo de vidro...

(Publicada em www.bafafa.com.br)
Prova dos 9

A polêmica da semana envolve a educação. Não sabemos por que motivo, mas a educação ainda causa polêmica; desconfio que a atual polêmica possa nos trazer boas reflexões, isso tudo porque o caso vem de um produto cultural popular: Valesca Popozuda.
Fui à pesquisa saber um pouco mais do que se tratava. Um professor de Brasília, numa belíssima provocação, atraiu a imprensa quando elaborou uma questão a partir de uma letra de canção de um funk, fez isso com essa intenção, chamar a imprensa, e conseguiu. Seu trabalho dera certo, procure saber...
Agora aproveito para sabermos um pouco mais ainda. Valesca Popozuda é um produto forjado pela cultura funk carioca. Pelo que pude saber, surgiu em 2000 com a Gaiola das Popozudas e vem trilhando seu caminho de sucesso, inegável a força dessa indústria. Mas o Beijinho no ombro “causou”, para usar gíria circulante nas redes sociais. Fui conhecer. O clip oficial revela um investimento grande, uma máquina de divulgação e captação de moeda. A canção, com ritmo marcante e envolvente, entra pelos poros imediatamente e a imagem criada provoca desejos de toda ordem: sexual, de ascensão social, de guerra.
Algumas perguntas são pertinentes: toda mulher tem inimigas, ou melhor, as mulheres são inimigas em potencial? Divergências são tratadas a “... tiro, porrada e bomba”? Deus é colocado de frente, como escudo, mas o outro é tratado como quem late...é isso mesmo? “Do camarote quase não dá pra te ver”, que sucesso, hein!!! Você deseja estar no camarote? Aproveitando, ainda, o texto original, digo: “Keep Calm”.
A prova do professor de filosofia deu certo, provocou uma avaliação além de seu projeto original. O que a imprensa quer mostrar? Que produto cultural atinge a lista dos 10 mais? Há espaço para tudo numa verdadeira democracia, temos, porém, que refletir sobre tudo que consumimos, certo?
Aproveito para fazer mais perguntas. Em março recente, o país atingiu ao recorde de arrecadação de tributos federais. Por que ainda temos tantas questões pra resolver no que diz respeito à educação e à saúde? TEMOS DINHEIRO. Andar de coletivo nas nossas cidades é aviltante. Hoje está nos jornais: “Brasil tem 11 das 30 cidades mais violentas do mundo, diz ONU”. Na cidade do Rio de Janeiro, hoje, há uma guerra acontecendo numa invasão de um prédio particular... pedras, fogo, violência. Recorro a versos de Caetano Veloso: “Vaca profana, põe teus cornos/Pra fora e acima da manada”.
(Publicada no www.bafafa.com.br)


segunda-feira, 30 de junho de 2014

Horas, minutos, segundos




O dia doeu em mim. As luzes mal tinham se expandido e a cidade acobertada dos restos de ontem. Meu corpo ainda inerte, pedra seca, reclamava uma juventude que não volta mais. Esperei meus filhos virem se empoleirarem sobre nós, e nada, já haviam crescido e fugiram da velha casa. O relógio batera seis e quinze naquele que seria um dia de algum metal que nada vale, pois havia começado em dores de corpo e alma. Saudades, vínculos estraçalhados e pouca luz.
Levantei, sozinho, encurvado ainda, uma trava que atravessou minha coluna agora sem cartilagens macias. Eita, vida dura!!! Diria minha avó. Eu não. Eita, vida... sabendo disso, visto-me e saio para abrir a janela da casa. Lembro-me de uma grande janela verde que fechava a cozinha de piso branco e vermelho. Em cima da geladeira, um relógio que soava os segundos com o movimento de um bonequinho esquimó, encantamento para os olhos infantis. Não, minha janela hoje é branca e dá para uma rua barulhenta, barulhos me deformam...
Horas mais tarde, já em posição humana, bípede que comanda a vida, ou imagina isso, recorro aos jornais como exercício de colocação no mundo real. Vi, hoje, 2014, que no Ceará, em lugar conhecido por Cafundó, chegou a luz elétrica. Que bom que chegou!!! Nossa, só hoje?... Isso me coloca de volta nos minutos que faltam para meu embarque. Rumo ao aeroporto, penso que nos viciamos em riquezas de pouco valor, e meu dia passa lentamente.
As “crianças” me ligaram para saber se estou bem, digo que sim e que na volta faríamos um almoço de família, todos juntos: pai, mãe, filhos... Entro no avião e saio para um lugar no futuro. Alguns segundos me deram essa impressão de tudo que disse. Mas, o fato, é que, agora já estou na metade do dia. Volto de ônibus para casa e espero a tarde sem dor.

Ereto, com ar de superioridade, de volta à realidade, enfrento o resto do dia. As vozes de hoje ordenam ações de pai, cidadão, homem seguindo a viagem. Numa piscadela de olhos, vejo correndo em minha direção, meus filhos, alegres em me ver. Jogam-se sobre mim e falam ao mesmo tempo o dia que tiveram, finjo entender e digo qualquer coisa e recomeço, renovado, com alívio, eles ainda não se foram...

quarta-feira, 21 de maio de 2014

O PT inventou a corrupção





Aprendi que o pensamento é em rede, não pensamos em linha reta e a ligação entre um primeiro pensamento e outro não é linear, sambamos entre calçadas e ladeiras íngremes, até chegar a alguma conclusão sobre determinado assunto, mas o fato é que precisamos pensar para dizer “e “dizer” não é brincadeira não”.
Tenho lido muitas opiniões sobre a situação em que estamos passando Brasil afora. “O país está vivendo a pior das crises”, “A presidenta é...”, O Congresso fez...!” “ Na Câmara dos vereadores, o discurso do representante do partido tal apontou que a corrupção vem alcançando índices alarmantes...”. E isso, afinal é de quem?
Li certo comentário sobre cotas e corrupção que me deixou quase em lágrimas, pois quem defendia a argumentação contra as cotas me parecia a perfeição encarnada e vestida de gente, faltou-lhe o altar e algum som divino ao fundo; quanto à corrupção, então, me pareceu que foi inventada e registrada em cartório pelo Partido dos Trabalhadores. Que alívio, alguém já encontrou o culpado, agora é fácil, é só agir...
Dizer que um partido implantou esse estado de desordem institucional é fácil, difícil é deixar de estacionar em lugar proibido, dando uns cinco merréis para o “maldito flanelinha” que deve estar ali apenas para se aproveitar dos pobrezinhos donos dos carros. Apontar que o PSDB, o PDT, o PCdoB, o PMDB e todos os outros não têm participação nessa desordem institucional que estamos constatando diariamente, dizer isso é facílimo, difícil é sair para trabalhar de ônibus quatro horas antes de seu horário de início de trabalho, para garantir que chegará na hora e ainda em condições pra lá de precárias. Difícil é não querer ser rico igual ao governador, prefeito, deputado, artista de novela. Difícil mesmo é saber que as escolas, em sua grande maioria, não estão conseguindo formar cidadãos conscientes de seu papel social.
Fácil é dizer que quem é beneficiário de setenta reais por mês é vagabundo e não quer trabalhar, afinal, setenta reais é trocado para alguns, mas para muitos é sair da inanição. Sim, e depois, vão continuar ganhando isso para o resto de suas vidas? Fazendo filho por aí pra ganhar bolsa disso e bolsa daquilo? Informe-se!!! Procure saber além dos preços do supermercado da sua esquina... há muitos lugares no Brasil sem esquina ainda, pois sequer são ruas. Difícil é sair da posição do conforto. Difícil mesmo é ficar atrás do computador sem poder nas mãos para que a igualdade se firme no país que precisa exercitar a democracia e cobrar seus ajustes.
Hoje, está difícil acreditar nas instituições porque nossa máquina é feita por gente brasileira advinda de todos os partidos políticos. Não, não foi o PT que inventou a corrupção, mas de fato, alguns de seus representantes perderam a oportunidade de dar o tom da correção, da lisura, usando o poder para ir adiante. É fato que estamos escancarados e que há punições e as gavetas foram abertas no legislativo, no executivo e no judiciário. O que fazer com isso?
Fácil é ir à Disney uma vez por ano e achar que nos EUA tudo funciona. Difícil é não jogar pela janela do carro o papel do estacionamento do shopping de uma grande cidade brasileira. Bem difícil é aceitar que gente pobre anda viajando de avião.
E aí, já fez sua contramão de hoje? Erga sua bandeira quando puder erguer e diga quando puder dizer...


terça-feira, 6 de maio de 2014

O astronauta

- Pai, eu vou ser astronauta.
- É, filho, que bacana...
- É, eu vou na lua pra tirar aquela bandeira que está lá e colocar uma do Brasil.
- É, filho, e o que mais?
- Vou colocar 7 pirulitos lá pros alienígenas também...
- E o que mais?
- Só isso tá bom...
E o tempo corre a seu favor enquanto o pai precisa de tempo para ter tempo pra ver seu astronauta viver. Hoje o tempo resolveu dar-lhe uma trégua e, com paciência, saiu para comprar figurinhas na banca de jornal mais próxima. Ele queria ir mais longe, dizia que seu álbum ainda faltava muito pra completar... o olhar de brilho novo encheu o caminho até o jornaleiro de passado. Aquelas mãos dadas foram ligadas tão naturalmente e por instantes pai e filho só trocavam olhares e sorrisos, uma certeza de tudo e nada...
- Pai,...
- Pai,...
Não sabia se respondia ou se ouvia sua própria voz trazida de anos atrás. A voz do astronauta ou a dele? Que pai tinha que acessar? Coisas mais simples: ele, pai do astronauta. O astronauta, pai do tempo.
- E os alienígenas?
- O que é que tem?
- Como eles são?
- São grandes.- Quanta certeza!!!
- Pai, amanhã você pode vir comigo novamente aqui na banca?
Os carros passam velozes e barulhentos. Finge não ouvir.
- Pai, você ouviu?
- Sim, filho, ouvi, ... amanhã a gente volta aqui na banca, tá?
Do astronauta, ficou com o sorriso e o desejo de fincar bandeiras por aí, com ele, é claro...

terça-feira, 29 de abril de 2014

Eu não sou macaco



—Não, meu filho, você não é macaco...
— Mas, pai, o Neymar disse que todo mundo é macaco.
— Mas foi em outro sentido...
— Mãe, o papai está desmentido o Neymar... — gritou o menino de 7 anos com força de quem quer proteger –se de um grande mal.
— Carlinhos, o papai está querendo dizer...
— Eu não estou querendo dizer nada, eu estou dizendo que nós não somos macacos e que o que o jogador quis demonstrar é que...
— Não complica, Arnaldo, você acha que o menino vai entender sua filosofia.
— Mas não fui eu que disse que nós somos macacos, estou tentando explicar pro Carlinhos que o Neymar disse uma coisa querendo dizer outra, só isso.
— Afinal de conta, pai, você está ou não está mentindo?
— Se vira, Arnaldo, a bola é tua — sentenciou a mulher, com ar de desafio.
— Bom, vamos lá: meu filho, o que o Neymar quis dizer é que todos viemos do macaco, independente de nossa cor, sabe?
O menino arregalou os olhos e ficou sem entender, parecia que o tinham colocado numa gaiola e ele teria que esperar que o trouxessem bananas para comer. O contexto ainda não tinha sido criado na sua linguagem, e a confusão estava armada.
— Pai, os jogadores de futebol são macacos? Só eles vieram dos macacos? Se for assim, quero ser jogador de futebol...
O nó aumentou e a família teve que se unir. Pai e mãe não sabiam e não queriam dizer que se tratava de um ato de preconceito do torcedor, não queriam expor o filho ao mundo estranho em que vivem, a preservação da inocência deveria ser mantida, não queriam que Carlinhos entendesse que o preconceito é criação humana.
— Perfeito, Carlinhos, se você quer ser jogador de futebol, então que seja..., mas você é gente, não é macaco...

Carlinhos se deu por satisfeito e a vida continuou alegre para o menino. O pai e a mãe seguiram vendidos...