quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Saudade da Camicleta

Fernando Arosa


                Setembro de 2010: a televisão brasileira completa 60 anos. Quem sou eu pra falar de televisão? Há tantos comunicólogos, estudiosos, pesquisadores sobre esse fenômeno que toma conta de nosso país; teorias, análises, projetos, críticas. Quem sou eu pra falar de televisão? Um telespectador. É desse lugar, do lado de quem cresceu com a companhia dela. “Ei, psit, você aí da poltrona...”, assim nos chamava Renato Aragão, nos fazendo interlocutores diretos desse veículo tão polêmico e controverso.
                “Todo dia é dia, toda hora é hora de saber que esse mundo é seu. Se você for amigo e companheiro, com alegria e imaginação. Vivendo e sorrindo, criando e rindo, você será feliz e todos serão também.” Essa é a primeira lembrança que me vem, pensando na televisão no lugar de quem assistiu muito, a primeira geração criada por ela no famoso papel de “babá eletrônica”. É desse lugar que penso hoje no papel da televisão numa sociedade cheia de problemas. Onde estão as promessas de felicidade? Será que eram apenas imaginação?
                Minhas lembranças são as de uma geração que acompanhou entre outras coisas a evolução de uma dramaturgia riquíssima. Os atores brasileiros, advindos do teatro, fizeram da nossa televisão um fator de união nacional. É claro que não podemos esquecer a faca de dois gumes que isso é: o corte afiado que ela traz, provocou também uma avalanche de consumo descabido e nada cidadão, mas a televisão nos deixou na memória: Zilka Salaberry, a eterna Dona Benta e sua companheira de sítio, a fantástica Jacyra Sampaio, única Tia Anastácia. Todo um elenco de maravilhosas formas de pensar o país como Flávio Migliaccio e Paulo José em Shazam e Xerife, o Vila Sésamo, as séries que reformaram o pensamento, as transmissões de imagens inesquecíveis do futebol e tantos outros exemplos de bons feitos. Mesmo desse lugar de saudade, de melancólica lembrança, pergunto sobre o papel integrador e educador que a televisão deveria ter.
                Confesso que falo de uma tevê aberta, aquela que o Brasil conhece desde muito tempo, não aquela de recente história, a tevê a cabo, essa eu não conheço a programação. A televisão comercial brasileira é uma concessão, disso todo mundo sabe, mas e o retorno educativo que pretendíamos dela? A programação aberta hoje unifica uma estética que pouco tem a ver com a cara do Brasil. Há exceções óbvias, basta acessar a programação da TV Brasil para se sentir brasileiro. Reclamo um pouco aqui dessas soluções monocromáticas sugeridas pela TV Globo, reclamo também da falta de respeito ao expectador quando vejo um domingo inteiro transformado em programa de auditório no SBT, lastimo a falta de cumplicidade dos meios de comunicação de massa quando precisamos deles para, de forma democrática, pensar num país melhor.
                “A televisão me deixou burro, muito burro demais” bradavam os Titãs e minha geração seguiu adiante assim mesmo, querendo “dar certo” na vida.  Nossa televisão faz 60 anos dos quais 20 em busca de um lugar no mundo globalizado, repetindo fórmulas, copiando, trazendo a público a falsa igualdade, expondo estereótipos, criando ilusões sem fantasia. Já vivemos momentos melhores, aguardo melhores cenas dos próximos capítulos.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Daquela manhã, saí mais forte

Fernando Arosa 

            É comum familiares se encontrarem. Todos já viveram isto: almoços, lanches no final do domingo, dias comemorativos, dias não tão comemorativos, alegrias e tristezas, sabores e dissabores, mas encontros.
            O céu nublado colaborou para tornar o dia mais pesado que de costume. Às vezes, os encontros demarcam retomadas de rumo, projeções de futuro. Outras vezes, são incursões naquilo que o abandono escondeu e criou falsas finitudes.
            Daquela manhã, saí mais forte. Os encontros de agora por diante serão mais reais, mais claros, a falsa ideia do passado finito terminou. Não, o passado estava ali, transfigurado em escadarias sujas, salas escancaradamente devassadas, um castelo em ruínas. Portas sem entradas e intactas de futuro. Um velho em antigo uniforme professoral nos abriu novamente, com ar de alívio, a possibilidade do real: “ que bom que vieram, chega, agora é a hora, terminem com isso”.
            A respiração pequena de susto nos fez nublar a visão e, de volta ao presente, confirmamos a sobrevivência. Ufa! Visitar castelos em ruína não é nada fácil!!!
            Daquela manhã, saí um pouco mais velho e um pouco mais forte. De bodoque em punho, volto a atirar para frente. Minha arma de agora é feita do sorriso do filho que me chama para brincar.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Estrela do Mar - Marino Pinto e Paulo Soledade

Essa é para o final de semana: uma cantora maranhense chamada Flávia Bittencourt cantando uma pérola de nosso cancioneiro, antes imortalizado por Dalva de Oliveira. Espero que gostem.
http://www.youtube.com/watch?v=8DO6bMUxMk0

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Pessimismo e otimismo

                Certa vez ouvi uma dita piada que contava a história de dois irmãos: um otimista e outro pessimista.
                O pessimista ganhou uma bicicleta e reclamou, preocupado, aturdido com o presente frente à possibilidade de cair, fraturar o fêmur, deslocar os ombros, “que desgraça”!
                O otimista, por sua vez, ganhou, de presente,um recipiente cheio de esterco, ao que ele perguntou saltitante, “oba, onde está meu cavalo?”
                Hoje, diante de tantos fatos inusitados, chego ao fim do dia com um inventário de lamúrias: dormi mal na noite anterior, no trabalho, nada funcionou, comprei um frango assado estragado, minha sogra quebrou a rótula, minha filha teve a milésima crise de alergia e continuo gordo, mas quero ser otimista.
                As eleições estão aí me parecendo um pouco com aquela bicicleta perigosa e mais ainda com o recipiente mal cheiroso, mas devo adiantar que preciso ser otimista. O mal cheiro da política não poderá nos atingir a ponto de fazer-nos desistir; no meu estado, a escolha do governador é quase impossível, temos bons candidatos a deputado, mas a senador a situação anda lamentável, mas mesmo assim penso em, com otimismo, esquecer das coligações inexplicáveis e votar, tentando manter um razoável coerência.
                Minhas promessas de otimismo são pura arma contra a loucura, ou serão a própria? Não sei ao certo, deixa eu dormir porque a hora anda e amanhã começará um novo dia.
                Ah, esqueci: hoje comecei uma dieta!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Hoje venho com música e poesia. O link abaixo nos leva a um vídeo no youtube. Lá, Maria Bethânia, uma das nossas grandes intérpretes, recita um trecho de um poema de Fernando Pessoa, Aniversário, e canta três canções muito bonitas: Lua Vermelha, de Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown; Uma Canção Desnaturada, de Chico Buarque e Gita, de Raul Seixas.
Espero que gostem.
http://www.youtube.com/watch?v=GYh_0D7mBpI

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Um dedo, um corte

 Fernando Arosa
No corte do dedo
Indicador
Iluminado pela cor da vida
Misturava-se a
Terra molhada
Do quintal,
Lá do fundo do quintal,
Além do laguinho dos patos.

E o fim era um morro
Com bambuzal

Não tínhamos o tempo para o
Choro,
Havia a profecia do curto
Tempo

Do canto da mesa
Avisto um relógio,
A santa ceia,
O cesto de laranjas,
E não percebo que deveria
Parar o tempo ali.

Reuni tudo o que via
E com o dedo limpo
E os ouvidos devidamente preenchidos
De conselhos,
Saí e voltei
Com um certo olhar de
Futuro do pretérito.

¾ Que foi, menino, vá, vá correr.

E acordei, todos os dias,
Dali em diante, com saudades, muitas
saudades.

domingo, 12 de setembro de 2010

Fotografias Urbanas

Hoje inicio outro gênero de texto: a fotografia. Fotografias Urbanas é o trabalho de um premiado fotógrafo de raro talento, José Alvarenga. Aí vai uma delas. Vejam mais em http://www.josealvarenga.com/
Dos anéis dourados


Fernando Arosa



O mês de setembro já começado e sequer me dei conta de que agosto existiu. Temos esse problema: o tempo. A falta dele para coisas que importam e o excesso dele para o trabalho, seus desencantos e aflições e ainda o desamor. Há muito encontramos histórias contadas e vividas por pessoas de variadas origens que mostram ser o tempo a arma da desunião, do desencontro. Mas essa aqui, não.

É setembro de século XXI, a rapidez exige nossa transpiração e a sede nos abala diariamente, mas tive que parar. Precisei parar um pouco para ouvir. Reforço minha necessidade de estancar no tempo para recuperar a respiração tranqüilizadora, gravar na memória os sorrisos gratuitos de meus filhos, os carinhos de quem eu amo. Hoje, precisei parar.

Ouvi de uma senhora, amiga de alguns anos, que acabara de se despedir de seu amor, que já tinham sido compradas as alianças, as novas alianças, símbolo de confirmação de um enlace acontecido há quase cinqüenta anos, mas não houve tempo; foram quase cinqüenta anos de vida em comum, e não havia dado tempo. Ele, sem planejamento e de súbito, foi-se, largou-se em outra vida, agora fora de nossas vistas. Ela, como nas grandes obras. Perdida, sem rumo, se pergunta “o que será de mim? Sem ele, não há o que fazer”, constata e demarca seu limite.

Volto para casa apertado. Minhas dores antigas voltam, serpenteiam meus órgãos, tiram meu sono, reflexo da minha simples condição de humano. Quando retomado novamente meu estado normal, o que fica em mim são os anéis, os anéis dourados que confirmam um amor eterno, antes pensado por mim só em obras literárias.

Hoje, em mês de setembro, parei e deixo lá, naquela casa que frequentei , guardados no cofre os anéis, um tempo de lembranças e um abraço amigo.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Tarefa - Geir Campos

Geir Campos é um dos poetas mais importantes da segunda metade do século XX. Gosto muito. Aí vai um poema. Espero que gostem.

Tarefa
Geir Campos



Morder o fruto amargo e não cuspir

mas avisar aos outros quanto é amargo,

cumprir o trato injusto e não falhar

mas avisar aos outros quanto é injusto,

sofrer o esquema falso e não ceder

mas avisar aos outros quanto é falso;

dizer também que são coisas mutáveis...

E quando em muitos a noção pulsar

— do amargo e injusto e falso por mudar —

então confiar à gente exausta o plano

de um mundo novo e muito mais humano.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Tempo

Tempo




A Adélia Prado





Não tenho versos pós-modernos.

Algumas dores,

Ecos na alma que repetem maldades

E orações,

Recordações de coisas rápidas

E esquecimentos,

Uma rapidez incontrolável.

Mas versos, não.



Hoje,

Em mês do ano dois mil,

Subscrevo-me e assino,

Choro ao final de um acorde

E aqui faz calor, barulho e fumaça.



Ao telefone meu sobrinho

Sorri

E sou capaz de vê-lo.

Acabo de desejar sua

promessa de vinda.



Não sou de hoje

Nego-o todo o tempo. Da inabalável crueldade

Humana, tento esquecer.

E também tenho fome.

Textorizando

Olá, amigos.
Resolvi começar mais uma atividade: fazer um blog. Meu blog não está comprometido com postagens diárias. Quero usar esta ferramenta para publicar textos de que gosto ou os que escreverei. Se gostarem, ficarei contente com os comentários e peço que critiquem também. Espero que gostem. Aqui poderemos ler textos de diferentes gêneros, é apenas um espaço a mais de leitura e produção textual. Aguardo sugestões e textos para serem publicados.
Um abraço, Fernando Arosa