terça-feira, 19 de abril de 2011

O Pedido - Elomar

O Pedido
Já que tu vai lá pra feira
traga de lá para mim
Água da fulô que cheira,
Um novelo e um carrim
Traz um pacote de miss
Meu amigo Ah! Se tu visse
Aquele cego cantador
Um dia ele me disse
Jogando um mote de amor
Que eu havera de viver
Por este mundo e morrer
Ainda em flor
Passa naquela barraca
Daquela mulé resera
Onde almoçamo paca,
Panelada e frigideira
Inté você disse uma loa
Gabando a bóia boa
Das casas da cidade
Aquela era a primeira
Traz pra mim umas brevidades
Que eu quero matar a saudade
Faz tempo que eu fui na feira
Ai saudade...
Ah! Pois sim, vê se não esquece
D'inda nessa lua cheia
Nós vai brincar na quermesse
Lá no riacho d'areia
Na casa daquele homem,
Feiticeiro curador
O dia inteiro é homem
Filho de Nosso Senhor
Mas dispois da meia noite
É lobisomem comedor
Dos pagão que as mãe esqueceu
Do Batismo salvador
E tem mais dois garrafão
Com dois canguim responsador
Ah! Pois sim vê se não esquece
De trazê ruge e carmim
Ah! Se o dinheiro desse
Eu queria um trancelim
E mais três metros de chita
Que é pra eu fazê um vestido
E ficar bem mais bonita
Que Madô de Juca Dido,
Zefa de Nhô Joaquim
Já que tu vai lá pra feira
Meu amigo, tras essas coisinhas
Para mim.



http://www.vagalume.com.br/elomar-figueira-de-melo/o-pedido-2.html#ixzz1Jzsqxk4g

domingo, 10 de abril de 2011

Magnum Ano 13

Fernando Arosa
27/4/03
A alguns metros de distância de um batalhão de polícia, de uma praça pública, de uma escola, enfim, no centro de um bairro do Rio de Janeiro, vejo uma cena que me chama atenção, mas naquele momento, corro para cumprir a agenda do dia. Aqueles dois adolescentes com olhar fixo na banca de jornal me intrigaram; a princípio nada de anormal, temos muitas coisas para prender a atenção num estabelecimento como esse.  Procurei, rapidamente, olhar o que possivelmente estava em mira, mas não daria tempo, o relógio corria contra mim, mais tarde mataria minha curiosidade.
Hoje, domingo, aproveitando o azul que cobria a cidade maravilhosa, saio caminhando, observando os carros enlouquecidos que aproveitam o fluxo menor de concorrentes na corrida de pista única. Lembro-me dos meninos, de uniforme, e constato o que não gostaria, na verdade, o certo não é constatar, é desconfiar, supor, enfim, o que ali estava escancaradamente exposto , dentre outras revistas, que asseguro não chamariam tanto a atenção daqueles quase adultos, é nada menos que uma publicação especializada em armas.
Propositalmente recorto o tema e pergunto: estão mais seguros com as novas medidas de segurança para o nosso estado? Conhecem agora os planos que assegurarão a ordem pública? Você é de que bonde? Você fica mais tranqüilo quando o secretário de segurança de seu estado diz que vai mandar para a “geladeira” aqueles maus policiais?...
Que importância tem o discurso na política! Imaginei nossos meninos da banca de jornal, eleitores, prontos para a guerra, ouvindo tais declarações. Como será que essas mensagens chegam a eles? Imagino que de certa forma, ao reconhecer sua linguagem, acharão, no mínimo, simpático. Li que estaremos equipados com mais sete carros para uma polícia especial..., ora, que alívio!
Penso numa crônica de Machado de Assis que em 1883 tratava com delicada ironia os maus comportados do bonde. Indicava-os dez regras do bom uso daquele meio de locomoção, dizia ter mais, em torno de setenta, mas que ali seguiam aquelas apenas. Preocupava-se com os encatarroados, com as pessoas com morrinha e tantas outras divertidas condições que, se seguidas, manteriam a civilidade. Pois então, a palavra bonde, agora é usada em outro sentido, mas que ainda carrega em sua carga semântica o conteúdo de grupo. A que pertencemos? Ao do Bonde ? Ao grupo dos que estarão na geladeira? O termo certamente está sendo estudado nas universidades, mas precisamos com urgência sair da análise acadêmica para a prática política efetiva.
Preferiria ouvir declarações menos populistas, porém, objetivamente de uma política de governo que atacasse o problema do Rio de Janeiro com olhar social, antropológico, pensando nas pessoas de todas as camadas da população que sofrem perdas diariamente, que não sabem mais sair de casa sem a incerteza do retorno. Qual o bonde? Isso não passa de brincadeira de mau gosto contra o povo. Talvez esteja representando o papel do mocinho dos filmes de antigamente, ou quem sabe, apenas um exercício de jogo político, ou ainda, um lançamento de uma nova revista.
Gostaria de ver os meninos na banca de jornal disputando as figurinhas difíceis do álbum dos ídolos do futebol. O Brasil e o Rio merecem coisa melhor.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O Livro sobre Nada

                                                                                                        Manoel de Barros

  • Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
  • Tudo que não invento é falso.
  • Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
  • Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
  • É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
  • Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas se não desejo contar nada, faço poesia.
  • Melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário.
  • A inércia é o meu ato principal.
  • Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
  • O artista é um erro da natureza.  Beethoven foi um erro perfeito.
  • A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
  • Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
  • Por pudor sou impuro.
  • Não preciso do fim para chegar.
  • De tudo haveria de ficar para nós um sentimento longínquo de coisa esquecida na terra — Como um lápis numa península.
  • Do lugar onde estou já fui embora.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

1º de abril

                                                                                                                         Fernando Arosa


                Hoje de manhã fui abordado por uma cidadã que disse:
                __ Tio, sua camisa está toda suja! __ e apontou para a manga da camisa.
                Prontamente, olhei e nada. A cidadã estava em largo sorriso e completou com a vitória do dia:
                __ Primeiro de abril, tio.
                Rimos juntos, tentei inventar algumas outras mentiras para me vingar, mas a graça primeira vencera. A mentira sem conseqüências, a mentira da verdade simples, da possibilidade do gracejo infantil.
                Fui mais adiante, anunciei sorvete onde seria impossível, ofereci quantias inacreditáveis aos amigos, coloquei as fantasias de riqueza em dia,  e ainda decretei:
                __ Serei presidente dessa república!
                Essa foi a maior de todas. Ouvi avaliações até simpáticas do tipo “acho que você até tentaria fazer alguma coisa”, ou ainda “ quem sabe até você conseguiria espalhar livros e criar mais leitores!”, mas isso não aconteceria .
                O Primeiro de Abril se espalha por todo o calendário, a mentira das filas de hospital, dos orçamentos, da educação. Tudo isso inviabilizaria minha mentira maior: presidir alguma coisa.
                “Como é que vou trabalhar se essa menina me dá repulsa...” (educadora)
                “Não tenho obrigação de tomar conta de aluno que não obedece...” (outra educadora).
                “Não podemos fazer nada por ela, não temos um diagnóstico fechado (apesar de trabalhar com o caso há mais de um ano- psicóloga).
                “Quatro horas e meia com essas crianças agitadas...”
                “ Não tenho dinheiro pra pagar o valor total do ingresso, apelei pra carteirinha de estudante. (falsa).”
                E por aí vão nossas mentiras diárias, sem graça, levianas...
                Hoje de manhã fui abordado por uma cidadã que, espero, cresça e invente outros sorrisos, verdadeiros...