segunda-feira, 30 de junho de 2014

Horas, minutos, segundos




O dia doeu em mim. As luzes mal tinham se expandido e a cidade acobertada dos restos de ontem. Meu corpo ainda inerte, pedra seca, reclamava uma juventude que não volta mais. Esperei meus filhos virem se empoleirarem sobre nós, e nada, já haviam crescido e fugiram da velha casa. O relógio batera seis e quinze naquele que seria um dia de algum metal que nada vale, pois havia começado em dores de corpo e alma. Saudades, vínculos estraçalhados e pouca luz.
Levantei, sozinho, encurvado ainda, uma trava que atravessou minha coluna agora sem cartilagens macias. Eita, vida dura!!! Diria minha avó. Eu não. Eita, vida... sabendo disso, visto-me e saio para abrir a janela da casa. Lembro-me de uma grande janela verde que fechava a cozinha de piso branco e vermelho. Em cima da geladeira, um relógio que soava os segundos com o movimento de um bonequinho esquimó, encantamento para os olhos infantis. Não, minha janela hoje é branca e dá para uma rua barulhenta, barulhos me deformam...
Horas mais tarde, já em posição humana, bípede que comanda a vida, ou imagina isso, recorro aos jornais como exercício de colocação no mundo real. Vi, hoje, 2014, que no Ceará, em lugar conhecido por Cafundó, chegou a luz elétrica. Que bom que chegou!!! Nossa, só hoje?... Isso me coloca de volta nos minutos que faltam para meu embarque. Rumo ao aeroporto, penso que nos viciamos em riquezas de pouco valor, e meu dia passa lentamente.
As “crianças” me ligaram para saber se estou bem, digo que sim e que na volta faríamos um almoço de família, todos juntos: pai, mãe, filhos... Entro no avião e saio para um lugar no futuro. Alguns segundos me deram essa impressão de tudo que disse. Mas, o fato, é que, agora já estou na metade do dia. Volto de ônibus para casa e espero a tarde sem dor.

Ereto, com ar de superioridade, de volta à realidade, enfrento o resto do dia. As vozes de hoje ordenam ações de pai, cidadão, homem seguindo a viagem. Numa piscadela de olhos, vejo correndo em minha direção, meus filhos, alegres em me ver. Jogam-se sobre mim e falam ao mesmo tempo o dia que tiveram, finjo entender e digo qualquer coisa e recomeço, renovado, com alívio, eles ainda não se foram...

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