terça-feira, 9 de novembro de 2010

A Morte de Chuquinha

                                                                                                                                       Fernando Arosa


            ¾ Dona Ivete, ô Dona Ivete! ¾ gritou Georgina, aflita e preocupada.
            ¾ O que foi, menina,? Que aflição!
            ¾ Não tenho boas notícias, não.
            ¾ Ah, meu Deus, Luisinho, Carlinhos, Dayse, quem foi, o que aconteceu?
            ¾ Não foi nada com os meninos. Calma, é com a Chuquinha.
            ¾ Já falei para não deixarem a porta...
            ¾ Não adiantou, Dona Ivete. Chuquinha ´tá morta.
            Foi um desalento. Nunca tinham vivido tal tristeza. Foi a primeira vez que se experimentava a ausência infinita de alguém. Nunca mais veriam Chuquinha, companheira das horas mais divertidas. Era quase humana!. Melhor: não falava a língua dos adultos.
            Muitas foram as participações: almoço de domingo, dias de trovoada, passeios de bicicleta, estava lá, uma galinha exemplar, com olhar participativo, gestos peculiares, andar expressivo. Várias vezes tentaram imitá-la, mas nem os meninos, nem as meninas da rua conseguiam alcançar a destreza de Chuquinha.
            Dayse passou uma temporada levando Chuquinha para o convívio das cobertas e travesseiros. Julgava que o tempo poderia aplacar sua amiga. Amizade era aquela. Dayse e Chuquinha! Que firmeza de propósitos! Que ética!
            Os meninos a tratavam com certa desconsideração. Nas ruas do bairro, colocavam a penosa exposta a todo tipo de julgamento; não a poupavam. Sabiam que suas asas não eram suficientes para o voo, mas, mesmo assim, não podiam perder a aventura. E assim, foi lançada, do alto da mangueira, no centro da praça que era envolvida por ruas com nomes de flor: rua das violetas, das rosas, das margaridas. Ruas que faziam do Valqueire, no Rio de Janeiro, um grande quintal, o deslimite dentro das fronteiras da propriedade.
            Chuquinha fora envenenada.
            A notícia correu, assim como as lágrimas no ritual de despedida, feito no fundo do quintal de sua casa. Lá ainda hoje há quintais, alguns animais estimados, mas Chuquinha, fotografada em papel Kodak, permaneceu na vida dos meninos que cresceram e se recordam, junto com Dona Ivete, do sol que batia na janela e iluminava os almoços de família.

Um comentário:

  1. Como sempre, surpreendente, emociona pela simplicidade e, ao mesmo tempo, universalidade. A gente sente a emoção, a aventura da infância.
    Abraço.

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